Sicsú: É preciso decisão política de nos industrializarmos com alto valor agregado


Por Cezar Xavier

Ao lançar seu livro Dez anos que abalaram o Brasil, o economista da UFRJ, João Sicsú, visitou a Fundação Maurício Grabois, quando participou de uma conversa. Assista a segunda e terceira parte da entrevista com Osvaldo Bertolino, Aloísio Sérgio Barroso e Joanne Mota, em que o autor aponta a falta de iniciativa política para uma reindustrialização do Brasil. Ele também critica o programa Ciência Sem Fronteira, e aponta alternativa com melhores resultados, além de discutir o papel do Governo Federal na concentração da mídia. A julgar pela entrevista, seu livro está pleno de ideias fundamentadas para a superação dos principais dilemas atuais da economia brasileira.

 

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Na primeira parte da conversa, ele fez um balanço da melhora significativa da distribuição de renda no país, e questionou a irrelevância de ideias do PSDB, isolado em alternativas para responder à demanda por mais estado e mais direitos das manifestações de junho. A partir da provocação do economista e pesquisador da Fundação Maurício Grabois, Aloísio Sérgio Barroso, o autor discutiu os dilemas das exportações industriais brasileiras para explicar os motivos que tornam os salários baixos no Brasil, se comparados com países em desenvolvimento.

Após a exposição de Sicsú sobre os avanços na distribuição de renda, Barroso questionou os desafios que o Brasil tem que trilhar para avançar o novo projeto nacional de desenvolvimento, ainda em esboço. “Eu costumo dizer que o Brasil estava descendo a ladeira e começou a subir”. Segundo Barroso, o retrocesso tido no período de 8 anos de Fernando Henrique Cardoso, somado ao período do Fernando Collor, dá praticamente uma década de neoliberalismo. “O que temos de lacunas, defasagens e desafios, na década de 2000 a 2010, das novas ocupações, segundo o IBGE, é que 95% delas foram remuneradas até um salário mínimo e meio”, aponta ele.

Barroso destaca que, embora haja oferta de ocupações com maior distribuição da renda, ele acredita que a insatisfação expressa na jornada de mobilizações de junho, está relacionada com o fato de que, entre 1995 até 2009, quem vive de lucro, juro, renda da terra e aluguel, passou de 4% para 14% da renda nacional, enquanto outras contradições se impõem. O comunista considera factual que o salário mínimo teve aumento de até 70%, mas também considera contundente o dado do Dieese que chama a atenção para o fato de que, em janeiro desse ano, 40% da população ocupada do Pará recebiam até um salário mínimo.

Para o economista, essas deformações regionais se assentam por sobre os avanços e faz mirar para fora, para outros países em desenvolvimento. “Olhando para esses panoramas não tão distantes do nosso, como a Coreia do Sul, que teve uma industrialização considerada tardia, porque foi depois da nossa, eles têm uma renda per capita anual que é três vezes maior do que a nossa, perto de US$ 30 mil. Ou seja, os elementos de fundo mostram que as distâncias são muito significativas”. A partir desta comparação, Barroso questiona Sicsú sobre uma eventual transição da orientação macroeconômica brasileira, como enfrentar os reveses que o Brasil sofre na política fiscal e monetária.

Articular indústria e agronegócio

Sicsú estabelece parâmetros que considera mais adequados à comparação sobre a renda. “É verdade que a remuneração dos empregos no Brasil é baixa, como você mencionou. Isso é pouco quando eu olho para a Coreia ou para a Dinamarca, mas quando eu olho para o passado é muito. Antes eram milhões que estavam desempregados, desalentados, sem esperança, e que agora ganham até três salários. Isso faz muita diferença nas realizações econômicas e sociais de uma família”.

Dito isto, o economista aponta a razão dos salários baixos e adentra o assunto que lhe interessa na entrevista: a industrialização brasileira. “Nós temos remunerações baixas porque temos uma economia que produz basicamente itens que têm, ou baixo valor agregado ou são itens básicos. Isso requer uma mão de obra com essa qualificação para ganhar essa remuneração. Não é que tenhamos, aqui, engenheiros extremamente qualificados que ganham dois salários mínimos. O que temos é uma demanda de empregos para essa faixa”.

Conforme analisa Sicsú, o Brasil tem uma agropecuária altamente desenvolvida, mas que tradicionalmente paga salários baixos. Tem, também, uma indústria que gera baixo valor agregado e que não paga salários mais elevados. “Para a gente mudar essa realidade brasileira, temos que fazer uma reindustrialização”, afirmou, peremptório. Ele evita opor indústria e agronegócio, até porque ele acha que esses dois setores articulados podem gerar uma grande vitalidade na economia de um país que já é tão avançado na exportação de commodities. “Pelo contrário, penso que temos que ter uma indústria que gere valor agregado na produção agregada. Nossa indústria produz saco plástico para embalar o frango para exportar. Isso é muito pouco.”

Ele vai citando exemplos de como essa articulação pode se dar, com avanço tecnológico e sofisticação do produto. O chocolate mais apreciado no mundo, lembra ele, é produzido em países que não têm um pé de cacau sequer. A Itália é um dos maiores exportadores de produtos de couro do mundo, adicionam ao couro o desenho, a sofisticação e a qualidade. Enquanto isso, o Brasil tem uma grande exportação de couro bruto, com valor muito pequeno. “A Itália exporta bolsas e sapatos com valores elevadíssimos. É isso que nós precisamos, indústrias mais sofisticados. Temos o cacau mas quem faz chocolate é a Suíça e a Bélgica. Temos que sofisticar nossa indústria para colá-la nessa vantagem no setor agropecuário que nós já temos”.

O grão verde e o pacote dourado

Sicsú concorda com Barroso no que tange ao problema cambial, embora o real tenha se desvalorizado significativamente, nas últimas semanas. Para ele, ainda assim, a desproporção entre o alto valor da moeda brasileira em relação ao dólar dificulta as exportações e facilita as importações, “o que mata a nossa indústria”. “A concorrência no nosso mercado doméstico cresceu muito e é avassaladora. Estou falando de produtos industrializados que, em 2002, nós importávamos US$ 40 bi, hoje, importamos quase US$ 200 bi”, diz ele, justificando o peso do câmbio na balança comercial.

É fato que há um problema cambial. No entanto, Sicsú prefere estabelecer a raiz do problema em termos de decisão política pela industrialização. “Um exemplo clássico que todo mundo dá é a Embraer. Um dia nós decidimos: vamos produzir aviões? E produzimos. Assim, nós podemos fazer com todos os nossos produtos do setor agropecuário”. Ele cita mais um exemplo, da exportação do café me grão verde. Ele propõe fazer o que a Alemanha faz. “A Alemanha não planta café, mas é uma grande exportadora de café em valores, ao selecionar, empacotar como Premium, no pacote dourado ou prateado. Cada pacote daquele custa uma fortuna”, diz ele. Para isso, salienta Sicsú, não basta fazer o pacotinho dourado e prateado, mas ter gente qualificada, equipamentos, instrumentos que façam essa seleção de qualidade. “Essa seleção não é feita no olho, por quem tem experiência, mas por equipamento extremamente qualificado”.

Importação de professores

Osvaldo Bertolino questionou como essa virada na indústria pode se dar a partir de uma ideia que Sicsú explora em seu livro: a importação de cérebros. O autor foi enfático ao afirmar que não se empolga com o programa Ciência Sem Fronteiras, dos Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e do Ministério da Educação (MEC), que manda milhares de estudantes brasileiros, “nossos melhores”, para o exterior. Na opinião do economista, os melhores alunos acabam sendo contratados pelas universidades e pelas multinacionais. “Então, realmente, a gente forma. E também forma para eles”.

Em poucas e contundentes palavras, ele explica o que as grandes universidades para onde os estudantes brasileiros estão indo fazem: produção de ciência e tecnologia, que é revertida para o mundo empresarial das multinacionais. “A gente está financiando estudantes brasileiros que estão indo para o exterior para se formar, produzir ciência e tecnologia para os concorrentes da nossa economia. Eu preferia fazer o contrário”.

Ainda que muitos milhares voltem, analisa ele, só darão algum tipo de resultado daqui a mais de dez anos. Porque um estudante que se forma no exterior, na opinião dele, mesmo que esteja fazendo o doutorado, se torna maduro para pesquisa entre dez e quinze anos depois. “Eu prefiro muito mais a contratação de milhares de professores do exterior”, ressalta ele. Na visão dele, é possível trazer esses cérebros para o Brasil e fazer sua integração na sociedade brasileira e não só nas universidades. “O espalhamento científico e cultural que ocorreria atingiria um número muito maior de estudantes do que atinge um estudante nosso, mesmo que sejam milhares no exterior”.

Ele ainda argumenta que esses professores que viriam do exterior trocariam ideias e realizariam pesquisas com brasileiros que já estão na universidade. “Seria uma troca muito mais viva para a instituição e não só para as pessoas. A universidade ganharia e não só os estudantes que foram para exterior. Isso daria um resultado imediato. A pesquisa começa agora com gente muito boa”, diz ele.

Ele considera que não é difícil trazer essa gente para cá, e menciona ucranianos, russos, portugueses, espanhóis e gregos, que viriam no Brasil uma perspectiva, diante da crise europeia, caso tivessem estímulos governamentais para a imigração. “Pesquisadores de primeiríssima qualidade, que certamente viriam para o país ganhando os dez mil reais do Programa Mais Médicos. Esse é um programa barato pela quantidade de informação, conhecimento, desenvolvimento tecnológico que nós podemos obter”.

A dependência publicitária da Petrobras

Mudando de assunto, Bertolino mencionou a mídia como uma trincheira que continua apresentando as mesmas ideias econômicas, martelando o mesmo pensamento único da década de 1990, até hoje. “Esses economistas dos grandes conglomerados financeiros estão constantemente na mídia. O senhor considera essa uma barreira intransponível para levar ideias novas e arejar esse debate tão importante em nosso país?” questionou, em referência a ao capítulo sobre a democratização da mídia no livro de Sicsú.

Sicsú mencionou como base para o debate a tabela, constante do livro, mostrando como o governo distribui verbas de publicidade das estatais e diretamente do governo. “O governo tem uma política errada e promove a concentração no setor”, afirmou sem meias palavras. “O Governo tem que trabalhar pela concorrência e não pela concentração. O que o governo faz é trabalhar pela concentração”, diz ele, citando os R$ 495 milhões destinados à TV Globo no ano passado. Num outro levantamento feito e não incluso no livro, ele contabilizou R$ 800 milhões do orçamento da União, direto para os cofres da Rede Globo, só no último ano.

Na opinião dele, essa mídia, além de ser concentrada é conservadora, ou seja, ao destinar quase um bilhão de seu orçamento para uma única empresa, o Governo não ajuda a disseminar informação, o debate, a discussão sobre um projeto novo de desenvolvimento, a combater preconceitos, a discriminação e a concentração da mídia. “Precisamos desconcentrar para que possam surgir alternativas de ideias para que o debate e a informação possa fluir melhor”.

Para ele, é um grande erro do governo continuar colocando verbas de publicidade de acordo com a audiência do veículo. A Globo representa 44% da audiência, portanto tem 44% da verba. “Agora, eu pergunto, além disso estar errado em relação a todos esses argumentos que eu mencionei, faz alguma diferença para a o desempenho da Petrobras anunciar ou não na TV Globo?”. Ele mesmo responde enfatizando: se a Petrobras deixar de colocar um centavo de verba publicidade na Rede Globo, o seu desempenho será o mesmo e independe disso.

Na segunda meia hora da entrevista, Sicsú continua a discutir os temas abordados no seu livro. Ele defenderá, por exemplo, que ainda há espaço para explorar o mercado interno nacional a partir de um industrialização de outro tipo.  Segundo ele, isto colocaria o país em outro patamar. Aguarde a continuidade dessa entrevista.

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