Elias Jabbour: Democracia de mercado, o “golpe dentro do golpe”


Eles estabelecem as regras do jogo. Criam instituições que em tese sacralizam a “livre iniciativa” a garantem a ação livre da “mão invisível”, inclusive sobre as eleições onde o Leviatã do Estado não deveria impedir a livre circulação do capital, inclusive a pessoas físicas e jurídicas prontas a atravessar a fronteira entre o público e o privado.
Câmbio, juros e spreads bancários devem ser objeto de correção de “falhas de mercado”, no caso brasileiro surgidas em mais de meio século de direta intervenção do Estado na economia. Circunstâncias nacionais e internacionais consagram nas urnas um projeto cujo destino manifesto seria de varrer os fatores de desequilíbrio de preços e abrir uma “era de prosperidade” jamais vista por nossas bandas.
Muito evidente que nada disso aconteceu e esse projeto foi posto à deriva e substituído por outro capaz de, pelo menos, colocar comida no prato de milhões de pessoas. Bom que se diga: prato de comida negado pelo mercado numa lógica econômica que obedece a perversa lógica dupla de capitação externa de poupança (via juros) e de formação de poupança interna na mais cruel lógica do “doa a quem doer” (fome, miséria, arrocho etc).
Há muito tempo tenho dito que o Plano Real (1994) e a instituição da política de metas de inflação (1999) foram os mais duros golpes contra o país desde 1964. E de alcance muito mais profundo que o ocorrido no citado 1964. Houve um assalto completo ao aparelho de Estado e, principalmente, sobre os mecanismos de emissão e precificação monetária (poder político, de fato). Corrompimento aberto dos meios indutores de conhecimento (academia) e de assalto à subjetividade popular (mídia). Trata-se de um banditismo neoliberal de Estado que, quiçá, um dia alguma geração de cientistas sociais sérios terão a tarefa de estudar.
O golpismo em marcha em nosso país é o “golpe dentro do golpe” de 1994 e que recorre ao fascismo como linha auxiliar e de continuidade do próprio projeto político do capital financeiro. É ato contra um projeto político nada confiável, ponto fora da curva das instituições e institucionalidades forjadas na transição da ditadura militar à democracia plena de mercado. Sustentar esse governo não é um fim em si mesmo.
Assim como compreender inflações, juros, câmbios e ajustes fora dos marcos da luta política como extensão da luta pelo excedente econômico entre as distintas classes sociais não pode ser matéria cujas variáveis se restrinjam a dados absolutizados por uma pobre microeconomia e um inexistente jogo entre oferta e procura. Microeconomia esta como expressão de uma dita ciência econômica cada vez mais deprimida e deprimente.

Não se trata de defesa de tese em meio a um momento político agudo. Não somos niilistas, existencialistas perdidos no tempo e no espaço. Somos materialistas, históricos e dialéticos cuja amplitude na ação política imediata é expressão de fina ciência política dos interesses da nação e da esmagadora maioria de sua população. Todo problema deve ser analisado e observado como problema histórico. Assim perceberemos as razões para quem nós (Dilma) nunca seremos confiáveis a essa gente. E eles sabem disso. E agem em função disso.

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