Qual política monetária? A chave institucional


Por ELIAS JABBOUR.

Trata-se de uma pergunta exposta à exaustão por Renato Rabelo, ex presidente do PCdoB. E é justa, correta. O caráter estratégico deste questionamento deve ser precedido por questões de conjunto capazes de explicar as reais bases objetivas do golpismo em marcha, assim como as possibilidades do campo político que atuamos. As esquerdas são mesmo capazes de tocar um país do tamanho do Brasil ao seu devido lugar no mundo? Nos resignaremos a ser voz política dos interesses dos pobres e oprimidos ou representamos de fato uma classe trabalhadora que se capacita, de fato, a tomar para si os destinos do país? Acredito sermos muito competentes, sim, para fazer as coisas acontecerem para nosso povo. Provamos isso nos últimos doze anos, mas devemos ir além.

É claro que cada questão acima colocada é suficiente para debates intermináveis. Sei disso. Mas temos de fazê-las todos os dias, em todos os momentos e a cada instante do debate de ideias, se é isso que nos propomos fazer de fato, indo além da mesmice das palavras de ordem e do argumento ideológico, pobre por natureza. Porém, colocar a questão sobre a alternativa em política monetária é um imenso primeiro passo diante de uma situação econômica recessiva e de questionamentos sobre nossa real capacidade política. Tudo é cíclico, o atual momento vai passar e se não nos prepararmos ao pós-ajuste, dificilmente nos colocaremos em condições de fazer a Grande Política. E não se faz Grande Política sem GRANDES IDEIAS.

É evidente hoje pensar em termos de política monetária opondo de um lado o crescimento pautado pelo consumo e, de outro, o retorno de políticas neoliberais para as quais a formação de poupança precede o investimento, daí a necessidade de ajustes fiscais cíclicos, corte de direitos sociais, captação de poupança externa pela via da taxa de juros e indução à inovação tecnológica puxada por choques de competitividade e abertura comercial total. Muitas vezes são nesses termos que o debate econômico é posto, dividindo “esquerda” e “direita”. Porém, a combinação entre as duas formas de “crescimento” é possível e em grande medida foi aplicada com esmero nos últimos doze anos, pois é muito sedutora a proposta de combater firmemente a inflação como forma de manutenção da estabilidade social e, consequentemente do consumo popular.

O resultado não poderia ser outro na combinação entre elevação da participação do fator renda na composição do PIB com estagnação da produtividade do trabalho. Aumento da participação do setor de serviços e brutal desindustrialização (cerca de três mil pequenas e médias empresas foram fechadas entre 2003 e 2014), prática da maior taxa de juros do mundo com insistente valorização cambial. Ambiente zero ao investimento privado com crise urbana aguda e apagão logístico. Compensação do monetário pelo “fiscal” causando rombo nas contas públicas. Crescimento abaixo da média mundial e elevação constante do endividamento da população, sobretudo entre os mais pobres. Ou seja, a tentativa de composição entre tripé macroeconômico e expansão do consumo pode redundar (e está redundando) não num caminho de inclusão social e sim numa perpetuação da miserabilidade e do caos social ainda em gestação. O motivo: a estagnação da produtividade do trabalho, conforme já elencada acima. É nesse termo (produtividade do trabalho) que o nosso campo político deve se concentrar no âmbito do debate de rumos econômicos. A expansão do consumo deve ser expressão desta variável, não o contrário.

Um outro ciclo de crescimento deve ser centrado no aumento da taxa de investimentos, já existe consenso quanto a isso entre muitos liberais até a “esquerda estratégica” (PCdoB). Não tem como voltar atrás. Porém, a forma de se alcançar esse padrão de crescimento deve estar longe dos pressupostos da Nova Matriz Macroeconômica inaugurada em 2012 cujos resultados estão gritando diante de nossos olhos. Independente da intenção ou vontade (política monetária não se faz com nenhum destes dois componentes), deve ser evidente para os marxistas que “não se deve brincar com as leis econômicas”, pois trata-se de uma cara brincadeira cujas consequências são sentidas diretamente no sistema de preços (inflação). Ao contrário, se tomarmos Marx de forma consequente perceberemos que a crítica que ele faz da Economia Política Clássica é justamente a percepção para quem o capitalismo, ao contrário do que Smith e Ricardo imaginavam (que todo movimento econômico era “natural”), cria instituições à sua imagem e semelhança. Daí a contradição entre superestrutura e base econômica e a noção, repetida por meus amigos schumpeterianos e neoschumpeterianos, para quem “todo problema econômico é um problema institucional”. E como marxista agrego, “político”. Não tomem essa noção como “tese” ou “escolástica” e sim como algo primário para iniciar um debate, nada mais do que isso.

A implementação seja de uma política monetária, um projeto de desenvolvimento ou projetos de “estabilização monetária” é precedida pela instalação de instituições de suporte. O exemplo da inauguração do BNDES na década de 1950, as famosas instruções da Superintendência da Moeda e Crédito (SUMOC), na mesma década de 1950, e a política de correção monetária no final da década de 1960 são exemplos de instituições que serviram ao destravamento das forças produtivas nacionais, possibilitando 50 anos ininterruptos de crescimento econômico. O mesmo se aplica aos objetivos “estabilizatórios” vitoriosos na década de 1990. Estabilizar a moeda como objetivo estratégico nacional só foi possível com a formação de instituições no bojo do Plano Real. São inúmeras as instituições formadas naquele período com o objetivo de dar suporte a esta política. E essa mudança de paradigma estratégico no Brasil só foi possível com a subversão das instituições criadas no período nacional-desenvolvimentista. O mesmo reverso se deve aplicar à necessária mudança de paradigma. É deixar de praguejar aos quatro cantos sobre o problema do ajuste e da taxa de juros em prol do aprofundamento do debate. É criar condições políticas não para reverter o ajuste fiscal ou baixar a taxa de juros pelo imperativo da vontade ou mesmo acreditar que incentivos fiscais – dentro dos atuais parâmetros institucionais – redundarão em crescimento econômico.

O problema reside em quais mudanças institucionais o país deverá se concentrar a um novo ciclo de desenvolvimento. E qual aparelho institucional, fundado na década de 1990, deverá ser proscrita ou ao menos flexibilizada? Eis a pergunta-chave! A liberdade operacional do Banco Central para auferir qual a taxa básica de juros suficiente para conter a inflação, utilizando este preço básico da economia ao bel prazer, é função de uma institucionalidade criada para este fim, notadamente a política de metas de inflação de 1999. E sendo a meta a ser atingida anual, ou seja, que todo ano uma meta cheia deverá ser entregue, não é impossível perceber a, absurda, utilização da taxa SELIC para enfrentar aumentos sazonais de preços, como de alimentos. Minando todo e qualquer esforço de investimento, apontando ao empresário interessando em investir a certeza que mais dia, menos dia a taxa de juros voltará à normalidade de alta. E investimento é função de confiança e expectativas, ambas contornadas no Brasil pós-Real na certeza de que o investimento produtivo é um péssimo negócio, independente do governo. Grande Política se faz, também, observando como funciona a mente empresarial…

Alargar a temporalidade ao cumprimento das metas de inflação é a condição sine qua non à um novo ciclo de desenvolvimento e solução de impasses estruturais que atormentam o nosso país, sendo o maior deles a dramática situação da indústria. A principal tarefa política do pós-golpismo e pós-ajuste está na tarefa da construção de uma maioria política em torno da bandeira da flexibilização da temporalidade ao cumprimento das metas de inflação. Uma meta inflacionária cheia de três anos é o pontapé inicial à retomada de um projeto estratégico de desenvolvimento. Reduzir juros e desvalorizar a taxa de câmbio mantendo os padrões institucionais do Plano Real é alimentar argumento ao golpismo, sendo o último alimentado por uma estagflação secular. Ou compreendemos isso ou se continuará no ludismo anexo a determinadas bandeiras, corroborando a noção para quem Marx não passou de um grande pensador da questão social e da democracia. Retirando a essência da nossa luta e identidade política nacional e revolucionária.

ELIAS JABBOUR, Doutor e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP. Professor Adjunto, na cadeira de Teoria e Política do Planejamento Econômico da UERJ e é membro do Comitê Central do PCdoB.

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