Olival Freire Junior, professor titular do Instituto de Física da UFBA, escreve homenagem ao geofísico que faleceu nesse domingo, 6 de dezembro
O falecimento do geofísico Carlos Alberto Dias (1937-2020), em 6 de dezembro, deixa uma lacuna importante na história da ciência brasileira. Dias era paraense, de Salinópolis, obteve bacharelado em física pelo CBPF, então em convênio com a Universidade do Brasil, hoje UFRJ, e mestrado e doutorado em geofísica pela Universidade de Berkeley, Estados Unidos. Dias foi o primeiro brasileiro a ter formação doutoral em geofísica e sua opção pelos estudos pós-graduados nesta área refletiu a compreensão de que a autonomia científica e tecnológica do Brasil na área do petróleo e dos recursos minerais dependia da formação, em larga escala, de pessoal especializado nesta área das geociências e das engenharias. No início de sua trajetória profissional, formação em física, foi fortemente influenciado e apoiado por Sergio Porto, Jayme Tiomno e Leite Lopes.
Além da lista de trabalhos publicados, patente registrada e alunos orientados, Dias foi um construtor de instituições. Retornando ao Brasil em fins de 1968, depois de seu doutoramento, ele dedicou-se, sucessivamente e com êxito, à organização de núcleos de pesquisa e programas de pós-graduação em geofísica na Universidade Federal da Bahia, Universidade Federal do Pará e Universidade Estadual do Norte Fluminense. Em todas estas instituições estabeleceu convênios e concretizou apoios de agências como CNPq e FINEP, além da PETROBRAS. Nos últimos anos Dias dedicou-se também a apoiar a UFPA na organização do campus em Salinópolis, sua cidade natal.
Carlos Alberto Dias também atuou intensamente na diretoria de sociedades científicas, a exemplo da Sociedade Brasileira de Física, Sociedade Brasileira de Geofísica e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Foi Vice-Presidente da SBPC entre 1973 e 1975, gestão presidida por Oscar Sala. Dias foi um cidadão de convicções nacionalistas e democráticas. A pesquisa em geofísica e a formação de recursos humanos nesta área era para ele parte do esforço da afirmação da soberania nacional. Sempre expressou sua identidade com os povos indígenas e suas tradições culturais. Suas convicções democráticas foram reafirmadas nos tempos mais difíceis da ditadura militar e muitos estudantes e professores vítimas do arbítrio político tinham em Dias um ponto de apoio. Assim é que em 1973, graças à sua ação quando da prisão de professores e estudantes do Instituto de Geociências da UFBA, estes tiveram a sua incomunicabilidade quebrada e, pela ação de Dias, outra estudante, de engenharia, ameaçada de prisão política, pôde evita-la. No mesmo ano Dias acolheu na UFBA o casal Ernesto e Amélia Hamburger, professores da USP, que haviam sido presos arbitrariamente. Em 1975, como diretor da SBPC, denunciou as prisões que tinham sido efetuadas de estudantes e professores da UFBA, inclusive de seus colegas no Programa de Geofísica.
Em 2016, por ocasião dos 70 anos da UFBA, pude homenagear Carlos Alberto Dias, pelas suas contribuições à UFBA, nos seguintes termos: “Começo homenageando Carlos Alberto Dias, paraense, geofísico doutorado em Berkeley, que aqui desembarcou em fins dos anos 1960 com o ambicioso plano de criar um programa de pesquisa e pós-graduação em Geofísica, plano cujos êxitos podem ser verificados ainda hoje na nossa tradição de pesquisa de qualidade em geofísica. Dias é a perfeita combinação de convicções nacionalistas e democráticas. Mas, uma andorinha só não faz verão, sabemos. Ele se cercou de boas alianças, embora nem todas tenham sido mantidas ao longo do tempo. Dentre estas alianças destaco o papel de Yeda Ferreira, que veio a dirigir o Instituto de Geociências, em um tempo em que as mulheres tinham ainda menos espaço nas ciências exatas e da natureza. Dias e Yeda me permitem evocar outro personagem e os anos de chumbo da ditadura militar. Ambos estiveram na linha de frente dos que se mobilizaram para quebrar a incomunicabilidade do preso político e professor da UFBA, Arno Brichta. A incomunicabilidade era a estratégia para as torturas mais bárbaras. Arno sobreviveu, se recompôs, e se dedicou integramente à universidade.”
Olival Freire Junior, Professor Titular do Instituto de Física da UFBA