Eleições municipais e saneamento ambiental


por Nivaldo Santana

A tragédia que arrasou grande parte do estado do Rio Grande do Sul provocou uma verdadeira comoção nacional. A ampla rede de solidariedade foi a resposta dos brasileiros no esforço para mitigar os graves efeitos sociais e econômicos das enchentes.

Cabe destacar o grande apoio do governo federal. Além da destinação inicial de R$ 59 bilhões, Lula criou a Secretaria Extraordinária para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, com status ministerial.

Não será empreitada simples. A reconstrução do estado deve ser planejada com foco, sem ficar prisioneira de interesses privados. O grande volume de recursos necessário deve ser aplicado com a participação e a fiscalização das famílias que perderam praticamente tudo.

Eventos semelhantes – como a inundação na região serrana do Rio, em 2011, que deixou 947 mortos e mais de 300 desaparecidos – mostram que, depois que as águas baixam e o tema sai do noticiário, corre-se o risco de deixar os desabrigados entregues à própria sorte.

Com base nessa experiência, é essencial – para além da solidariedade e das imprescindíveis medidas para socorrer as vítimas – preparar um plano eficaz de reconstrução do estado. Paralelamente, cabe também aos municípios debater ações preventivas para enfrentar eventos extremos como o que se abateu sobre os gaúchos.

Com a proximidade das eleições municipais, temos uma oportunidade importante de refletir sobre esses fatos e retomar um debate fundamental, que é a atualização, em todos os municípios, da política de saneamento ambiental.

O saneamento se apoia em quatro pilares: abastecimento de água, tratamento de esgoto, macrodrenagem urbana e controle dos resíduos sólidos. Em todos esses aspectos, a competência municipal está prevista na legislação.

Uma boa política nessa área, na qual o poder público precisa ter papel protagonista, visa melhorar a qualidade do meio ambiente, preservar a saúde pública, melhorar o bem-estar, fomentar o desenvolvimento sustentável da sociedade e evitar a repetição dessas tragédias.

Uma rápida avaliação da política ambiental no Brasil mostra que, apesar de tudo, houve avanços importantes em algumas áreas. Mas, na atualidade, registram-se retrocessos que, se não forem contidos, podem agravar bastante a situação em nossos municípios.

Um exemplo concreto de retrocesso é a política em curso de privatização das empresas de saneamento básico. A privatização desse setor essencial para a saúde pública certamente vai desfigurar esses serviços e transformar o fornecimento de água e tratamento de esgoto unicamente em fontes de lucro, distantes dos interesses da sociedade.

Só por má-fé ou ingenuidade, para citar um único exemplo, pode-se dar crédito às falácias do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que foi aos Estados Unidos, como se fosse um vendedor em dia de “black friday”, oferecer a Sabesp para especuladores norte-americanos.

Segundo a versão do governador, a empresa privatizada vai baixar as tarifas e melhorar os serviços, principalmente para a população mais pobre. Seria cômica não fosse trágica essa mentira deslavada.

No terreno do saneamento ambiental, outra matéria de relevância – e que deve constar dos debates eleitorais deste ano e dos programas dos candidatos a prefeitos e vereadores – é a definição de novas abordagens para a política de gerenciamento de resíduos sólidos.

Um drama atual é como dar um destino seguro para as toneladas de lixo produzidas diariamente em nossas cidades e definir as melhores opções para a política de resíduos sólidos, sabendo-se que não existe solução simples para problema tão complexo.

Ao lado de programas de educação ambiental permanente para a população, as administrações municipais precisam definir a melhor forma de tratar os resíduos. Incineração de resíduos não recicláveis, transformação de resíduos orgânicos em adubos e construção de aterros sanitários são opções não excludentes, que dependem das características de cada cidade.

Por último, mas não menos importante, é o debate atualíssimo de como enfrentar as enchentes em nossas cidades – definir uma política de macrodrenagem urbana para enfrentar episódios dramáticos como os que ocorrem no Rio Grande do Sul.

No âmbito municipal, em trabalho conjunto com os estados e a União, é necessária, preliminarmente, uma legislação de uso e ocupação do solo para controlar a utilização do espaço urbano e definir quais são as atividades compatíveis com a proteção ambiental.

As medidas preventivas devem incorporar soluções para eventos climáticos extremos. Parte das cidades brasileiras ocupou sem muito planejamento as margens dos rios e outros cursos d’água, enfrentando, agora, as consequências dessa situação.

O que fazer? São vários os desafios. Um deles é enfrentar a especulação imobiliária e sua ação de adensamento desordenado das cidades. Outro é cobrar do poder público medidas concretas para combater as enchentes, tais como:

– Desassorear rios e córregos;

– Diminuir a impermeabilização do solo urbano;

– Adotar políticas de reflorestamento à margem dos rios;

– Construir um sistema de drenagem, inclusive com a construção de piscinões que permita o escoamento regulado das águas

– Evitar os problemas de erosões.

Medidas hidráulicas mais custosas, a exemplo das obras já realizadas nos Países Baixos e Nova Orleans, são as construções de diques e muralhas capazes de reter as águas nos períodos chuvas intensas.

Outro ponto importante é o desenvolvimento de políticas habitacionais voltadas para a população mais pobre, principalmente retirar os moradores de habitações precárias situada em áreas de risco, sujeitas a deslizamento.

Essas ideias são apenas propostas iniciais para um debate necessário. É importante ouvir especialistas, entidades e organizações da sociedade, além de cobrar o poder público.

Tudo exigirá muitos recursos – mas nada que se compare com o infortúnio das perdas de vida humana, destruição de casas, equipamentos públicos e privados, empresas e degradação de ruas, praças e outros logradouros públicos!

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