A China vai quebrar?


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Por DILERMANDO TONI.

Na última terça-feira 25/08, fiz uma palestra sobre a conjuntura para os sindicalistas do Sintaema de Santa Catarina. Todos, eram cerca de quarenta, bastante preocupados em como agir diante da situação brasileira, mas para minha surpresa a coisa não ficou só aí. Ultrapassou os limites das discussões sobre como defender a democracia e a retomada do crescimento a fim de evitar que os trabalhadores brasileiros paguem o ônus da crise. Muitos deles fizeram comentários e perguntas sobre o que se passa na China, impactados pelo recuo de cerca de 15% na Bolsa de Xanghai nestes dois dias. Acostumados ao que se passa na economia capitalista os sindicalistas indagaram perplexos: e se a China quebrar o vai nos acontecer?

Preocupação mais que justa, pois a China é o maior parceiro comercial do Brasil. A partir deste fato da Bolsa chinesa, mas não só dele, pois os índices nos EUA indicam o pior agosto em dezessete anos, que estão na superfície, procurei refletir com eles, um pouco mais aprofundadamente, sobre o que se passa na China.

O povo chinês escreveu uma das mais belas páginas da história moderna ao fazer a revolução em 1949. A um país atrasado, semi-feudal e semi-colonial, opôs-se vitoriosamente uma revolução nacional, democrática e popular – liderada pelo Partido Comunista cujo principal dirigente era Mao Tsé-tung – que deveria abrir caminho para a sociedade socialista.

Praticamente 30 anos de experimentações se passaram até que o povo chinês chegou à conclusão de que deveria procurar construir o socialismo com características chinesas e para isto, seria necessário adotar uma política de abertura e reformas. Abertura para o mundo e reformas que permitissem a adoção de uma economia híbrida, de capitalismo e socialismo, na qual este último tivesse a preponderância.

A partir desta orientação estratégica nos últimos 30 anos a China conseguiu a extraordinária façanha de crescer a uma média de 10% ao ano. Passou a ser o mais destacado país em desenvolvimento, chegando a alcançar o 2º lugar entre as maiores economias do mundo e passando a responder por 15% do produto mundial. A China socialista caminha a passos largos para ser uma sociedade moderna e desenvolvida. Esta ascensão transformou a China em uma potência mundial que é a marca da transição atual de um mundo unipolar, hegemonizado pelos EUA, para um mundo multipolar.

Este crescimento foi baseado em muitos investimentos, públicos principalmente, mas também privados, chineses e estrangeiros. A taxa de investimentos na China fica entre os 40% e 50% do PIB. E baseado também em exportações, a princípio de produtos primários, porém mais recentemente de produtos industrializados, alguns de alta tecnologia. Na dinâmica deste processo a China conseguiu acumular reservas internacionais de aproximadamente US$ 3,8 trilhões, de longe as maiores do mundo. De outra parte, centenas de milhares de chineses saíram da situação de pobreza.

Porém, esta fase está no seu fim. A situação mudou. Diante da crise prolongada do sistema capitalista (com suas instabilidades, incertezas e demanda claudicante), da condição de potência mundial alcançada e da desaceleração conjuntural do crescimento interno – em 2014 a China cresceu apenas (sic) 7,4% – o governo chinês resolveu adotar a estratégia de crescimento baseada no consumo interno, na ampliação dos direitos dos cidadãos, nos cuidados com o meio-ambiente e em uma presença mais efetiva na cena econômica e financeira mundial. Tem adotado uma série de políticas de curto e de longo prazo o que caracteriza então uma transição de modelo. O crescimento médio nesta recém-inaugurada fase de construção socialista deve ficar em torno dos 7% ao ano.

Os remédios conjunturais que a China tem adotado para fazer frente à crise mundial e à desaceleração interna são bem diferentes dos adotados pelo Brasil. Tem sucessivamente abaixado a taxa de juros bancários e injetado dinheiro na economia. Há coisa de duas semanas o yuan foi desvalorizado mais significativamente para tornar os produtos chineses ainda mais competitivos. Só este ano, o governo chinês já abaixou em oito ocasiões o preço dos combustíveis acompanhando o que se passa com os preços internacionais do petróleo (movimento semelhante se passa nos EUA). Tem oficialmente estimulado a política de inovação para a tecnologia para enfrentar as dificuldades surgidas na indústria. A China é o país que atualmente mais fabrica produtos de geração de energia eólica e solar.

Mas, há um movimento estrutural, de longo fôlego, que são as iniciativas visando elevar a moeda chinesa, o yuan, ao nível de protagonismo no sistema financeiro mundial. Julgo que este é o fato mais importante acontecido na economia mundial nestes últimos anos. A partir de novembro o yuan poderá integrar a cesta de moedas do FMI, ao lado do dólar, do euro, da libra inglesa e do iene japonês. Transformar-se-á então em moeda conversível e poderá servir como moeda de reserva internacional. Assim, como bem disse a jornalista Vivian Oswald do Valor Econômico: “a China subirá um novo degrau na afirmação de sua importância no sistema financeiro global, ponto central de sustentação de suas ambições geopolíticas na Ásia e no mundo”.

Mas, mesmo que o FMI não mude o status do yuan, o que seria deplorável, a tendência é que, pelo tamanho da economia chinesa, por sua importância comercial e financeira, o yuan vá abrindo caminho rumo à quebra da hegemonia do dólar, característica central do atual sistema monetário internacional.

O padrão dólar/dívida pública dos EUA tem sido uma fonte permanente de instabilidades e crises. Está sendo superado pela realidade dos fatos, assim como as instituições financeiras multilaterais surgidas em Bretton Woods, o FMI e o Banco Mundial, fortemente hegemonizadas pelos EUA. Instituições alternativas têm surgido com grande estímulo da China. Em Outubro do ano passado 57 países, entre os quais o Brasil, anunciaram o criação do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB), sem a participação dos EUA e do Japão que controlam o Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB). Ainda em 2014 foram anunciadas a criação do Novo Banco de Desenvolvimento dos Brics, com sede em Xanghai e do fundo de infraestrutura da Rota da Seda, para integrar iniciativas de comércio e investimentos na região da Eurásia. Ao lado disto, já são bastante volumosos os empréstimos que bancos oficiais chineses tem feito a empresas e a governos de países em desenvolvimento, a exemplo dos empréstimos à Petrobras. É também crescente o volume de investimentos diretos chineses pelo mundo afora.

Como se pode ver, o que ocorre nas Bolsas de Valores nem sempre reflete o que se passa na economia real. Na realidade, como bem explicou recentemente Paul Krugman, a China não pode ser culpada pelos terremotos financeiros dos últimos dias. A responsabilidade está na fragilidade econômica global: “Há sete anos, vivemos numa economia global que tropeça de crise em crise. Cada vez que uma parte do mundo finalmente parece colocar-se em pé, outra despenca”, e nas politicas que se têm adotado diante disto: “ Políticos e tecnocratas gostam de se enxergar como pessoas sérias, que tomam decisões difíceis – como cortar programas populares e elevar taxas de juros. Eles não querem ser informados de que estamos num mundo em que políticas aparentemente rigorosas irão tornar as coisas piores. Mas nós estamos, e elas vão.” Neste quadro de semiparalisia os capitais excedentes parasitários são cada vez mais volumosos. E então eles se dedicam a uma especulação extremamente nervosa que provocam estes movimentos súbitos.

Disse eu finalmente aos sindicalistas do Sintaema que não há possibilidade de colapso da economia chinesa posta no horizonte. E que a superação destes percalços poderá ajudar muito ao Brasil.

DILERMANDO TONI é jornalista dedicado aos assuntos de economia, trabalhou na assessoria de Renato Rabelo de 1995 a 2015, membro do Comitê Central do PCdoB.

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