A dívida pública e a oposição


Por LECIO MORAIS e FLÁVIO TONELLI.

Quando a crise americana estourou em 2007-08, a busca de culpados logo dividiu os representantes e eleitores dos Partidos Democrata e Republicano. Enquanto os democratas colocavam a culpa no governo Bush, os republicanos apontavam como culpado o grande capital, especialmente os bancos. Essa escolha dos culpados não seria bem o que se esperaria da tradição dos dois partidos. Os papéis pareceram trocados.

A causa foi simples: os republicanos estavam no governo e os democratas, não.

Agora no Brasil, seguindo essa orientação de oposição, o colunista do Valor, Cristiano Romero, escreveu: “O indicador das contas públicas que mais se deteriorou nos últimos anos, (…) foi o da Dívida Bruta do Governo [dívida de todos os governos]. Quando o país (…) ganhou o grau de investimento, em 2008, a dívida bruta equivalia a 55,9% do PIB. Hoje, está em torno de 63% do PIB”. (Valor, 02/09/2015).

Não sendo apontada a causa desse endividamento, a consequência da constatação é ser a própria dívida a causa de nossa crise.

A variável que mais se deteriorou em seis anos foi mesmo a dívida? Nosso endividamento é a causa principal da crise ou é mais uma consequência de outros problemas?

Dívida pública e política anticrise

Se compararmos a evolução da dívida pública em países centrais, a partir de 2008, veremos uma situação assaz diferente do Brasil (em % PIB, números do FMI, em set/2015):

Dez/2008 Dez/2014 Dif.
EUA 72,8 105,3 +25,4
Alemanha 64,9 73,1 +11,8
França 67,9 95,1 +27,3
Espanha 39,4 97,7 +58,3
Japão 191,8 246,4 +54,6
Brasil* 61,9 65,2 +3,3

No Brasil, como no resto do mundo, a causa da explosão das dívidas públicas foi a mesma: políticas anticíclicas. Com políticas anticíclicas hoje os Estados assumem parte do custo da crise para, em tese, evitar o pior em suas economias. Mesmo que haja diferença fundamental no sentido das políticas anticíclicas entre o Brasil e os países centrais, seu objetivo é o mesmo: protegerem-se da crise internacional. A dívida pública é apenas seu custo.

O Brasil adiou sua entrada na crise graças fundamentalmente à política de sustentação do investimento em 2009, tendo por base a expansão da ação do BNDES, e o enorme volume de nossas reservas que bloqueou qualquer tentativa de ataque especulativo. Mas essas defesas só foram possíveis graças ao endividamento bruto da União (a estatização parcial do custo da crise). Com isso, o país ficou fora da crise até meados de 2011.

O Brasil dentro da crise externa

Desde o início, o objetivo de nossa política anticíclica se baseou na sustentação do nível de consumo, e não no seu rebaixamento, como se dá nos EUA e Europa. O que trouxe manutenção do poder de compra e do nível de vida e emprego do povo. Esta a nossa grande diferença para com os países do centro.

Com a continuidade da crise internacional, nossas contas externas se deterioraram. Isso se deu graças: à perda da competitividade externa; à verdadeira guerra cambial promovida pelos EUA de desvalorização agressiva do dólar (o segundo quantitative easy, 2011-13); bem como ao verdadeiro saque promovido pela remessa de lucros de filiais brasileiras para suas matrizes.

Houve uma queda do comércio mundial, o fim do ciclo das commodities, o enfraquecimento do ritmo da China e a crise da União Europeia. Respondendo a isso, nossa burguesia internacionalizada recuou. E o crescimento parou após 2011.

Porém, o objetivo de ressuscitar o crescimento da atividade econômica continuou. E a política manteve o incentivo ao consumo (defendendo a renda e o trabalho do povo) e a redução de custos do capital – especialmente da exportação – via incentivo fiscal. E com isso, mais ônus fiscal e continuidade do crescimento da dívida. Porém a renda e o emprego do povo não só não teve piora, como melhorou até meados de 2014.

Mesmo assim, a “greve de investimento” continuou, os exportadores apenas embolsaram os ganhos, e o incentivo ao consumo interno causou uma enxurrada de importações e, também, pressão inflacionária.

Guerra cambial, perda de competitividade e o tripé: como nos pegaram

O problema de fundo, a perda de competitividade, deu-se principalmente pela manutenção do real frente ao dólar por mais de dez anos. E como se continuou a manter o tripé de câmbio flutuante, abertura comercial e superávit fiscal durante a crise, ficamos indefesos. Sem proteção cambial e sem defesa contra importações. A continuidade do tripé não foi só um problema da política de Dilma, mas também de Lula.

As contas externas refletem essa conjunção de adversidades. O saldo em transações correntes cresceu enormemente desde 2007. O saldo positivo de 2007, equivalendo a 0,1% do PIB, transformou-se em déficit de 4,2%. O que equivale a um acúmulo de perdas equivalente a 17,7% do PIB.

Essa foi a variável que mais se deteriorou no período e não a dívida pública. E as contas externas refletem diretamente a principal causa da nossa crise: o impacto crescente da crise internacional.

Assim como nos demais países, a dívida pública decorre da política anticíclica e, no nosso caso, é agravada pelo enorme custo dessa dívida. Ou seja, a dívida e o déficit primário relativamente minúsculo são consequências da crise e dos custos de conter suas consequências internas. No entanto, não se fala do verdadeiro descalabro das contas públicas e do endividamento dos países centrais, nem muito menos acusam suas dívidas de causarem a crise. Apenas no Brasil isso é verdade.

Assim como se posicionaram os democratas e republicanos em 2008, nossos economistas e analistas conservadores estão na situação nos Estados Unidos e na Europa, mas no Brasil, na oposição.

Lecio Morais, economista, mestre em Ciência Política. Flávio Tonelli, especialista em orçamento e finanças públicas. Ambos trabalham na Liderança do PCdoB na Câmara dos Deputados.

 

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