A “ditadura da moeda”. O sentido estratégico do golpe


Por Elias Jabbour.

A eleição de Lula em 2002 barrou a continuidade de um processo iniciado com o processo de desregulamentação financeira iniciado por Collor e o extenso programa de desestatização aprofundado por FHC. O neoliberalismo no Brasil é como uma caixa vazia que aos poucos tem de ser preenchida. Primeiro a desregulamentação financeira, a retirada de instrumentos de controle de capitais, desestatização e criação de uma unidade de valor capaz de alinhar os preços. Depois a marca fantasia (moeda) e a fundação de instituições que servirão de base à estratégia. Quase tudo, mas não conseguiram tudo.

 

A formação de uma maioria na sociedade como base da “estabilização monetária” foi alcançada, mas não aos efeitos colaterais dela – a barbárie. Um amplo esquema de cooptação de acadêmicos e jornalistas foi perseguida com estrondoso sucesso, a ponto de o neoliberalismo ser uma realidade hegemônica. A transformação do grande industrial em – também – grande rentista é a base de classe, no caso “classe dominante”, capaz de guiar os cordéis ao bel prazer de grandes movimentos políticos ultraconservadores. O que Michal Kalecki chamou de “greve de investimento” foi justamente o que ocorreu a partir da segunda metade de seu segundo mandato. E está ocorrendo agora. O grande empresariado é agente direto da instabilidade política. E só deixará de sê-lo no dia em que uma outra ordem institucional substituir a atual. Já falei demais sobre isso. (ou compreendemos isso ou poucas condições de intervir na política econômica teremos um dia).

 

Se a base econômica/institucional foi alcançada, o mesmo não pode se dizer sobre a Constituição. A criminalização dos movimentos sociais na era FHC e o próprio movimento atual de destruição da política são eixos correlatos à instituição de uma verdadeira “ditadura da moeda” que somente terá plena realização caso se consiga mexer nos pilares dos primórdios de um Estado de Bem-Estar Social no Brasil. Leia-se: o próximo passo é subverter a Constituição de 1988 aos desígnios da própria estratégia estabilizadora consagrada pelo Plano Real e a política de metas de inflação. Além do mais, a segregação eleitoral de legendas menores a ponto de nosso sistema eleitoral ficar próximo do correlato estadunidense. Leis “antiterrorismo” tendo como alvo os movimentos sociais e “choques de ordem urbanos” contra negros e favelados em geral. A “ditadura da moeda”, sinônimo de ditadura da “estabilidade monetária” é função da junção entre fascismo e neoliberalismo como garantia à manutenção da base material das classes dominantes, o “hiper-juros” que substituiu a “hiperinflação”.

O grande problema ao atual ajuste fiscal em andamento não está numa taxa de juros que mantém em alta a trajetória de alta da dívida pública. Abrindo parêntese, na mesma proporção em que esse ajuste é de difícil sucesso, agravado pelo momento de retração da atividade e de uma política tributária que incide sobre o consumo e não a renda. A elasticidade do ajuste passa a ser altamente negativo, num paradoxo que nos faz colocar em questão a própria inteligência daqueles que não fazem a relação entre esta trágica e cômica política tributária como elemento inibidor de qualquer ajuste nas contas públicas. O problema encontra-se nas cláusulas constitucionais que engessam o orçamento com “gastos sociais” e mantém o Estado como agente mat er da atividade econômica. É evidente que a ditadura da moeda encontra barreiras constitucionais à sua consecução. Há tempos o alvo é a própria Carta Magna. A cereja do bolo que nem FHC no auge de sua popularidade conseguiu subverte-la por inteiro!

 

O ataque à subjetividade popular, diária, pode ser o mote da construção de uma outra maioria política no Brasil, ultraconservadora. A desbaratamento do PT é parte essencial deste projeto, seria a desconstrução da grande resistência popular ao golpe. Sim, é golpe. Não pensemos duas vezes. Tudo se sofisticou e o que aconteceu em 1964 poderá ser mais letal e sutil do que rolou com João Goulart. Os liberais invadiram o quarto das crianças na década de 1990. Poderão tomar a casa de assalto agora. É o futuro do pais como ente nacional acompanhado de condições ao pleno exercício da democracia que está em risco. A ditadura da moeda é um risco completamente possível. Não alcançaram isso plenamente na década de 1990. Poderão conseguir agora. Toda amplitude política é pouca. E caso vençam, não sobrará pedra sobre pedra. É o retorno à Idade da Pedra. A defesa do mandato de Dilma é a mãe de todas as batalhas em torno do Brasil que queremos. E podemos!

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