Por Haroldo Lima
As transformações ocorridas na América do Sul, nas últimas décadas, foram cruciais. De “quintal dos Estados Unidos”, como todo esse sub-continente era conhecido , à situação de hoje, a mudança foi grande.
Na década de 1960, e anos seguintes, o que se via nessa região eram ditaduras filo-americanas, algumas implantadas com a participação direta dos Estados Unidos, como a do Brasil. Depois, as coisas começaram a mudar.
Na Venezuela, o governo de Hugo Chávez estava para ser deposto, quando Lula assumiu a presidência do Brasil, em janeiro de 2003. Duas semanas depois, o recém empossado presidente articulou o Grupo de Amigos da Venezuela para restabelecer a ordem naquele país. Chamou os Estados Unidos para participar do Grupo. Constrangidos, os americanos aceitaram. E Chávez se manteve.
Depois, em uma seqüência avassaladora, são eleitos: em 2003, Nestor Kirchner, na Argentina; em 2004, Tabaré Vasquez, no Uruguai; em 2005, Evo Morales, na Bolívia; em 2006, Michelle Bachelet, no Chile; em 2007, Rafael Correa, no Equador; em 2008, Fernando Lugo, no Paraguai, todos políticos à esquerda do espectro político.
Um bom tema para aprofundamento sociológico será o balanço dos resultados desses governos democratas e populares para o povo da América do Sul. Mas, do ponto de vista político, esse ciclo está significando um exercício de independência dessas Nações, uma prática soberana dos seus Estados, um esforço para construir instituições respeitadas. Aqui era a terra dos “golpes” e “quarteladas”, que nunca mais ocorreram. A nova geração nem imagina como era o “quintal dos Estados Unidos”.
O papel do Brasil na configuração e estabilidade desse novo quadro da América do Sul foi decisivo.
Agora, quando setores falam em afastar a Dilma da presidência, por razões que estão ainda procurando, vem à tona a entrevista de um matemático e sociólogo da Universidade de La Paz, que é Vice-presidente da Bolívia, o Professor Álvaro Garcia. (Folha de São Paulo, 11/10/2015).
A Bolívia, sob o governo de Morales, passa por uma fase ascendente. Cresce a quase 5% em média, há seis anos. Neste 2015, crescerá 4,8%. Não fosse a crise mundial, atingiria 7 a 8%. A renda per capta média da população, que era de US$956, passou a US$1.775.
Assumindo ser de um “governo de esquerda”, o intelectual boliviano acha que seu país cresce, “em tempos de crise, por estar aplicando medidas anticíclicas, como a expansão dos gastos públicos em infraestrutura”, além de “ênfase na exportação (multiplicamos por cinco)” e “crescimento do mercado interno”.
Houve na Bolívia uma ascensão social semelhante à que ocorreu no Brasil: “20% da população passou à classe média, o salário mínimo subiu 500% em nove anos”. Foi feita uma política de acúmulo de reservas internacionais e “fortes investimentos públicos em infraestrutura, educação, estradas.”
Concomitante com o objetivo de “dividir a riqueza”, para fazer justiça e estimular o mercado interno, está a meta de “estimular a produção”, em função do que “usamos as variáveis macro e microeconômicas de uma maneira planejada”.
A política de “austeridade”, aplicada em países da Europa, é agudamente criticada pelo Vice que esteve no Brasil: “Isso, a Bolívia já conhece e não tem um final feliz. Nos anos 80, na Bolívia se cortaram benefícios sociais, mas o pior, o Estado privatizou os bens públicos e ao fim da década, tínhamos uma economia em bancarrota.”
Indagado sobre quais os erros maiores que governos “de esquerda” cometeram na América do Sul apontou dois: “relacionamento com os setores populares e a maneira como se distribui o peso econômico do ajuste” que, de resto, atinge a nós do Brasil.
Duas afirmações feitas pelo Vice-presidente da Bolívia denotam preocupação e devem servir de advertência aos brasileiros de boa-fé. Disse Garcia: “A existência de governos de esquerda no Brasil ajudou o desenvolvimento da América Latina em sua soberania.” E completou: “Um governo conservador no Brasil, complacente com atitudes antidemocráticas, seria uma catástrofe para a América Latina”.
Haroldo Lima – é engenheiro e foi Deputado Federal pelo PCdoB da Bahia e é membro do Comitê Central do PCdoB


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Ótima e esclarecedora.
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