Grau de investimento, escolhas e “o limite da inteligência”


Por ELIAS JABBOUR.

Ocorreu o que todos esperavam, o que estava programado. O que era óbvio. O Brasil perdeu o grau máximo de investimento, concedido pela Standard & Poor`s. O que vai acontecer, já está acontecendo. Perda de confiança, crédito. Ações de grandes empresas caindo, vide Petrobras. Em qual campo fazer uma discussão séria sobre isso. O que de adianta certas reações?

Honestamente, certas reações não servem de nada. Principalmente aquelas que buscam desqualificar a agência, reduzir o dano do fato. Muito menos são produtivas discussões de pura denúncia e demarcação de fronteira política e ideológica. Nada disso resolve grandes coisas. Não é dessa forma que o mundo e a realidade objetiva se movem. Aliás, não resolvem nada. O papel desta agência e de outras, todos sabem (ou só passamos a saber agora?). Postos avançados do grande poder mundial exercido pela grande finança, que por sua vez submeteu grande parte do mundo na década de 1990, inclusive o Brasil.

Eis a questão. Não nos esqueçamos, ao nosso próprio bem. O Brasil fez escolhas estratégicas na década de 1990, consagradas nas urnas. Repito, ESCOLHAS ESTRATÉGICAS = POLÍTICA DE ESTADO. Inflação sob estrito controle, “estabilidade monetária” acima e antes de qualquer coisa. Criação de poderosas instituições como base do novo padrão de acumulação internalizado. Neoliberalismo “puro sangue”, no máximo mitigado por uma ou outra política de governo ou uma estratégia mais séria de inserção internacional e política social ativa e certos arremedos keynesianos.

Todos os governos eleitos desde Collor consentiram com a estratégia da estabilidade, da formação de poupança como pressuposto do investimento e da necessidade de captação de poupança externa ante – segundo o fiel e ferozmente novo consenso neoclássico aceito e difundido – anemia crônica de poupança interna. Abertura da conta de capitais e metas anuais de inflação. Uso e abuso da taxa de câmbio e da SELIC para fins “nobres” e, no limite, compensação do “monetário” pelo “fiscal” e/ou vice-versa, numa brincadeira de dar arrepios a qualquer conhecedor de teoria dos ciclos.

Diante de escolhas e crenças cegas, devemos levar muito à sério o recado dado pela Standard & Poor`s. A um país que aposta na poupança externa e mantém aberta suas contas de capitais, estamos caminhando ao pior cenário possível, com repercussões políticas ainda em aberto, pois se a desconfiança de empresários já era grande, agora deverá ficar mais difícil diante de um governo nas cordas, sem manobra de iniciativa política. Um governo que jogou todo seu capital político na tentativa de manter o grau de investimento. E não rolou. O ajuste fiscal ocorre em plena recessão, com queda de arrecadação. As respostas na economia têm sido as piores possíveis com grandes impactos na política. A vida não está fácil ao nosso campo político e a sensação de “golpe já dado” é muito grande diante dos fatos em si e da ainda dispersão, da perda de noção entre o que é essencial (defesa da democracia e do mandato de Dilma) e o periférico (ataque ao ajuste fiscal).

Qual escolha fazer? O que fazer? Por onde ir? Evidente que um novo imposto deverá ser criado. Aumentar a alíquota do imposto de renda seria entregar de bandeja à oposição a que resta de apoio na classe média. Mexer nos programas sociais só vai isolar ainda mais o governo de sua própria base. Além disso, tocar nos programas sociais seria a cereja no bolo da clara tentativa de criar um clima favorável a apostasias na Constituição de 1988, a última fronteira que nem FHC conseguir transpor, nem no auge de sua popularidade. Alguma convicção deve restar neste aspecto, o recuo significa o corte de dedos depois da entrega dos anéis. O momento ao enfrentamento só é propício se tivermos capacidade, e o governo alguma disposição e vontade, de pautarmos a necessidade da taxação de grandes fortunas e de uma reforma tributária capaz de transpor boa parte da fonte de arrecadação do consumo à renda, ir na fonte do problema – enfim.

As esquerdas no geral chegaram no limite de sua capacidade política, vítima da falta de criatividade – principalmente de sua força hegemônica e hegemonista – para pensar alguns anos adiante de nossas vistas. Outra verdade impossível de esconder. A crise financeira internacional sufocou o nosso país, que foi incapaz de ir além de incentivos setoriais e a expansão do consumo transformou-se em expansão do endividamento dos setores mais populares, também condenados a viver com um ou dois salários mínimos. A festa da alta das commodities acabou com os termos de troca retornando ao seu padrão histórico. A conta de uma política cambial desastrosa praticada entre 2005 e aprofundada em 2009 trouxe sequelas numa profunda desindustrialização que penaliza o emprego do jovem universitário, do pai operário e da mãe em dupla jornada, em casa e num emprego precarizado, no único setor que se expandiu na última década, o de serviços.

O momento é de reflexão e de recolocação dos termos de debate e de discussão. Antes de vociferarmos contra as agências de risco, devemos olhar às escolhas feitas e refeitas pelo nosso país. Devemos acumular forças e ganhar a sociedade pensante de nosso país a mudanças institucionais capazes de nos tirar da boca do lobo do terrorismo do capital financeiro. Ou colocamos no seu devido lugar a discussão sobre a mudança do tempo ao cumprimento das metas de inflação e a necessária instituição de controles para entrada e saída de capitais ou continuaremos presos às vontades e desejos daqueles que querem o Brasil de volta à Idade da Pedra, a níveis de desenvolvimento anteriores à década de 1950. Tudo o que precisamos no hoje é alguma fresta para acumular força política. Mas precisamos mais ainda de nos reinventarmos. De saber que mudanças econômicas de fundo, só ocorrem com mudanças institucionais, também, de fundo. Em questão, a proscrição das institucionalidades criadas no âmbito do Plano Real. Ou isso ou a nossa própria proscrição estratégica. Chegamos ao limite da capacidade. Mas não, ainda, de nossa inteligência.

 

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