Outorga da Comenda Dois de Julho pela ALBA a Olival Freire Junior


Quando informado por Zé Raimundo da sua iniciativa, e da aprovação pela ALBA, da Comenda Dois de Julho, busquei refletir qual o sentido que eu poderia atribuir a essa distinção. Compreendi que bem além de possíveis méritos pessoais, essa homenagem era também uma homenagem e gerações, instituições e causas. À geração dos estudantes que ao longo da década de 1970 lutaram pela democratização da universidade e do país; à Universidade Federal da Bahia, minha alma mater, instituição à qual me vinculei desde 1972, quando ali ingressei no curso de Engenharia Elétrica; e à causa da educação, da ciência e da tecnologia.

Homenagem à geração, da UFBA que, na década de 1970, lutou pela democracia

Quando ingressei na UFBA em 1972, Ze Raimundo ali ingressou em 1973, a universidade vivia ainda o impacto da brutal repressão aos direitos políticos que havia se instaurado no Brasil logo após a decretação do Ato Institucional Número 5, em 13 de dezembro de 1968, e o clima de medo que disso derivava. Sabemos hoje, pelo trabalho da Comissão da Verdade da UFBa, instalada por iniciativa da Reitora Dora Leal Rosa, que no início de 1969, cerca de 80 estudantes da UFBA tiveram suas matrículas impedidas por ordens da VI Região Militar. Desses, poucos conseguiram, anos depois, retornar à UFBA ou realizar estudos universitários em outras faculdades.

Não apenas matrículas foram impedidas. Uma prisão política naquela época era sinônimo de bárbaras torturas e muitas vezes de assassinatos.

Remoro a seguir alguns desses acontecimentos que muito impactaram a minha geração, mantendo-me apenas na paleta cronológica entre 1972 e 1976. Reporto-me apenas aos fatos que tive conhecimento naquele período, abstraindo outros fatos igualmente relevantes, mas cuja informação eu não tive conhecimento ainda naquele período. Assim, vivenciamos notícias como as prisões e torturas do Professor Arno Brichta e do estudante Francisco Jatobá, ambos do Instituto de Geociências, e a passagem à clandestinidade da estudante de Engenharia Cristina Sá, em decorrência dessas prisões, em 1973; a chegada ao Instituto de Física, apoiados pelo Professor Carlos Alberto Dias, dos professores da USP, Ernesto e Amelia Hamburger, que haviam sido presos e torturados em São Paulo; a prisão e tortura de vários professores e estudantes da UFBA, em 1975, em decorrência de ação policial contra o Partido Comunista Brasileiro, o PCB, dentre eles os colegas Claudio e Julio Guedes e o Professor Roberto Argolo; a demissão sumária e arbitrária do Professor Paulo Miranda, por portar um título de Mestre de universidade soviética, todos estes episódios no mesmo Instituto de Física, para onde me transferi em 1973; além da prisão de Valdelio Silva e Frederico Torres, nas primeiras tentativas de reorganização da UNE.
As notícias dos bárbaros assassinatos, fora da UFBA, também impactavam a nossa geração. Assim foi, em fins de 1972 e início de 1973, a notícia dos assassinatos de Carlos Danielli, Lincoln Roque, Lincoln Oest, e Luis Guilhardini, dirigentes do Partido Comunista do Brasil, o PCdoB, o que cristalizou em mim a decisão de aderir e este partido para reforça-lo; em 1973, notícias dos assassinatos de Gildo Lacerda e Mata Machado, jovens dirigentes da Ação Popular Marxista-Leninista, a APML, Gildo casado a jornalista baiana Mariluce Moura; em 1975, o assassinato de Armando Frutuoso, dirigente do PCdoB; ainda no mesmo ano, o assassinato de Vladmir Herzog, em São Paulo, em 1975; e, um ano depois, o assassinato, também em São Paulo, dos dirigentes do PCdoB, Pedro Pomar, Angelo Arroyo e João Batista Drummond, além de prisões e bárbaras torturas de Haroldo Lima, Aldo Arantes, e Elza Monnerat, episódio hoje conhecido como Chacina da Lapa. Ao longo deste mesmo período, começaram a aparecer as notícias sobre os assassinatos e desaparecimentos dos guerrilheiros do Araguaia, com muitos nomes de estudantes baianos, dentre os quais Antonio e Dina, que haviam sido alunos da Geociências da UFBA, e Dinaelza, da Católica, e Vandick, dentre outros.
Era também o tempo da censura generalizada, de O Pasquim ao Estado de São Paulo. Nada ilustra melhor a censura dessa época que a proibição da música Apesar de você, de Chico Buarque de Holanda.
Foi contra esse estado de coisas que a geração que, penso, deveria ser homenageada hoje se insurgiu. Por vezes em atividades culturais, como as atividades do Centro Universitário de Cultura e Arte, o CUCA; ou em atividades reivindicatórias, como o boicote ao provão em dezembro de 1972; a reorganização do Diretório Central dos Estudantes da UFBA, em meados de 1973, do qual tenho a honra de ter sido o primeiro presidente do DCE reorganizado – desta época registro a convivência civilizada com o Reitor Lafayete Pondé; as greves por melhores condições de ensino, em Medicina, Comunicação e Farmácia; e a greve geral, por mais de 30 dias, contra a legislação do jubilamento, em 1975. Da época da greve geral registro as enormes dificuldades que tivemos de convivência com o Reitor Augusto Mascarenhas, que não dialogava com os estudantes em greve. Sobre este reitorado aprendemos, muito depois, já na Comissão da Verdade da UFBA, que ele foi instado a coisas piores, como um pedido de uma professora da UFBA de aplicação do Decreto 477, com a consequente expulsão da universidade, deste que vos fala, e deixou essa demanda dormir nos arquivos da universidade. Foi grande a resiliência, a resistência e a pujança da luta dessa geração, que logo se espraiou para a Universidade Católica, Escola Baiana de Medicina, e Faculdades como a de Economia de Frederico; para o movimento secundarista; para o Trabalho Conjunto com entidades de profissionais liberais, como o Instituto de Arquitetos; e interagia com o movimento sindical e de bairros. Essa geração contou também com o apoio de líderes religiosos, como o Abade Dom Timóteo, no Mosteiro de São Bento, os Padres Claudio Perani, no CEAS, e Renzo Rossi e Paulo Tonucci, dentre os católicos, e o pastor Celso Dourado, presbiteriano. Expressão dessa pujança foi o fato de que, em 1979, dois grandes congressos da luta pela democracia se realizaram na capital baiana, o da reorganização da UNE e o da Anistia. Por fim, já que fiz referência aos dois reitores anteriores, não posso deixar de me referir ao terceiro dessa época, Macedo Costa, que, em 1979, compreendeu as mudanças em curso no país e autorizou a minha contratação como professor substituto, contrariando instruções expressas dos órgãos de segurança do regime militar.

Dessa geração que contribuiu na reconstituição dos espaços democráticos na UFBA e na cidade de Salvador, muitos são os nomes que consigo lembrar, e mesmo assim com muitas omissões. Quero aqui lembrar de alguns que conviveram com o Deputado Zé Raimundo e comigo, nas atividades de reorganização do movimento estudantil, na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, que nessa época transitou entre Nazaré e Terreiro de Jesus, para finalmente se assentar na Estrada de São Lázaro. Dos colegas de Zé Raimundo no curso de História, lembro bem de Eduardo Santiago, o Dida, Lena, Alba, Anita Pimenta, e Sergio Guerra. Na Psicologia estavam Sonia Sampaio, Eulina Rocha, Ana Helena Caldeira, Sandra Soares, Ilka Bichara e Ana Portela. Nas Ciências Sociais, estavam Mara Rabelo e Lucia Guedes, e, mais tarde, Valdelio Silva e Clara Araujo. Na Medicina, Sinval Galvão, Valdenor, Carminha e Jorge Almeida, além de Telma, José Antonio, o Metralha, Paulo Cherokee, e Geraldo. No Instituto de Física, estavam Telma Miranda, Sergio Farias e Silvio Loureiro, e mais tarde, Ricardo Miranda, Monclar Valverde, Elias Ramos, Graça Martins, Jorge Rabelo, Anderson e Renildo Sousa. No Direito, Marta, Iza, Celso e Angélica. Nas Geociências, Bira Mota, Ze Carlos, Chicão, Adalberto e Olavo. Fico por aqui porque a lista de lembranças é enorme.

Dessa geração, um comentário e uma homenagem. Depois de ter convivido com Zé Raimundo na UFBA, nesse período de resistência democrática; nossos caminhos voltaram a se cruzar no Departamento de História da USP, ele em História Econômica, sob a orientação de Osvaldo Cogiolla, eu em História Social, orientado por Shozo Motoyama e Michel Paty. Tínhamos ademais a interseção de estarmos no mesmo campo da política, a primeira campanha de Lula à Presidência da República, em 1989. Contudo, pouco convivemos em São Paulo; ao que parece os baianos em São Paulo preferem se perder na paulicéia que viver em tribos de conterrâneos. De lá para cá, acompanhei a trajetória de Zé Raimundo à distância, mas com respeito mútuo e amigos em comum. Zé Raimundo foi Prefeito em Vitória da Conquista, cidade de fortes tradições progressistas, e depois deputado estadual, por vários mandatos, sempre pelo Partido dos Trabalhadores, PT.
Buscando homenagear essa nossa geração, eu gostaria de prestar um tributo a dois dos nossos colegas. Manoel José de Carvalho, o artífice político da reorganização do movimento estudantil e democrático na UFBA e na cidade de Salvador, precocemente levado por um câncer; e Cristina Sá, que atrasou a conclusão do seu curso de Engenharia por seis anos por ter passado à clandestinidade para evitar uma prisão iminente. Compus com Manoel e Cristina a minha primeira célula do Partido Comunista do Brasil, ainda no primeiro semestre de 1973.

Até agora eu me limitei a observações sobre a década de 1970. Formado em 1978, e como professor da UFBA, a partir de 1979, continuei minha militância política na cidade de Salvador. A luta contra a ditadura havia ganho fôlego a partir de 1976. Como já referi, o Congresso da UNE e o da Anistia foram marcos deste processo. Acrescente-se as passeatas, o retorno dos exilados e clandestinos e liberação dos presos, e a reanimação do movimento sindical. Lembro-me bem a primeira vez que uma passeata rompeu o bloqueio policial na Rua João das Botas, e chegamos ao Terreiro de Jesus, denunciando prisões políticas e lutando pela anistia. Em 1982, a eleição de Haroldo Lima e Fernando Santana, assim como a reeleição de Chico Pinto e Elquisson Soares, como deputados federais, todos ligados a movimentos de esquerda, foi também uma expressão do crescimento da resistência democrática em nosso estado. Muitos trabalhos acadêmicos narram o crescimento da resistência que aqui referi, e gostaria de me referir em particular à dissertação de Mestrado de Jorge Wilton, pela UNEB, publicada posteriormente como livro com o título “Memórias de um esquerda em transição”, narrando em particular a construção do PCdoB, naquela conjuntura.

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Finalizo essas considerações sobre a resistência democrática com um episódio que diz respeito à história dessa casa. Pois bem, boa parte dessa resistência democrática contra a ditadura se mesclava com a oposição ao carlismo. Em 1984, depois da derrota da Emenda Dante de Oliveira, que propunha as eleições presidenciais diretas, e visando ultimar a sobrevida da ditadura, o PCdoB e várias outras correntes progressistas e de esquerda optaram por confrontá-la no Colégio Eleitoral apoiando a candidatura de Tancredo Neves. Finda a conferência do PMDB que consagrou a chapa Tancredo-Sarney, soubemos na madrugada do dia seguinte, que Antonio Carlos Magalhães passara a apoiar Tancredo, não seguindo com o candidato que havia ganho a convenção da ARENA, Paulo Maluf. Nossa primeira reação na Bahia, liderados pelo deputado Haroldo Lima foi: não subiremos no mesmo palanque, Tancredo terá dois palanques na Bahia. Pouco depois fomos presos pela Polícia Federal, eu, Péricles de Sousa, que era então o Secretário Político do PCdoB, Loreta Valadares, Carlos Valadares, Pedro Augusto, Javier Alfaya e Teresa do Espírito Santo, além do estudante Ronaldo. Prisões foram efetuadas também em São Paulo, Goiânia e Belém. A acusação era tentativa de reorganização do PCdoB. Em verdade era operação que visava tumultuar a derrota iminente do candidato da ditadura, Paulo Maluf, expondo o apoio dos comunistas a Tancredo. Fomos presos pela manhã, cedo, e mantidos incomunicáveis na sede da PF, então próxima do Mercado Modelo. No início da tarde, os policiais, contrariados, nos comunicaram que tínhamos visitas. Era uma comitiva de deputados estaduais, liderados por Luis Eduardo Magalhães, então presidente dessa casa, e secundado pelos deputados Luis Nova e outros deputados. Liberados no fim da tarde, tive o contente de encontrar na porta da PF, nos esperando o diretor do meu Instituto, Dionicarlos Vasconcelos, e colegas do IFUFBA. Subindo pelo Elevador Lacerda, fomos todos para a Câmara Municipal, onde um público largo nos esperava. No ato usamos da palavra, denunciando as arbitrariedades da polícia, nós e Luis Eduardo Magalhães. Naquele dia, graças à ação da ditadura militar, morreu a tese dos dois palanques na campanha de Tancredo na Bahia. Como nos ensinou Tom Jobim, o Brasil não é para amadores.

Uma homenagem à Universidade Federal da Bahia

Entendo que a Comenda Dois de Julho é também uma homenagem a essa instituição, a Universidade Federal da Bahia, que foi o espaço dessa resistência que acabo de descrever. É uma instituição cujas origens remontam à chegada da família real portuguesa, quando o primeiro curso superior brasileiro, a Escola de Cirurgia da Bahia é criado. Se consideramos os 78 anos desde a sua criação formal, em 1946, eu tenho nessa universidade, como estudante, professor e gestor 52 anos de vida. Ela tem sido a minha segunda pele, segunda família. Ela incorpora para mim os ideais de educação superior de qualidade, gratuita, e de produção de conhecimento novo, também de qualidade. Minha experiência com a educação na UFBA remonta ao tempo de estudante, uma vez que fui monitor entre 1973 e 1975, e professor a partir de 1979. Fiz cursos de pós-graduação tardiamente, tendo retornado à UFBa, no início dos anos 1990 com os cursos de mestrado e doutorado. Já no meu retorno logo compreendi que tinha um desafio novo, além de ser um bom professor. Tratava-se de criar cursos de pós-graduação análogos aos que tinha feito na Universidade de São Paulo, em história e filosofia das ciências. Contudo, quando segui para São Paulo já tinha tido as primeiras lições neste domínio aqui na UFBA, com os mestres Benedito Pepe, Aurino Ribeiro e Felippe Serpa. Desde meados da década de 1990 eu me dediquei, com colegas da UFBA e da UEFS, como João Carlos Salles, Robinson Tenório, José Carlos Barreto, André Mattedi, Charbel El-Hani, Elyana Barbosa, Waldomiro José, Osvaldo Pessoa, Felippe Serpa e Amilcar Baiardi, dentre outros, a criar na Bahia e na UFBa, grupos de pesquisa e programas de pós-graduação nos mesmos padrões de qualidade, nacional e internacional, nos quais eu havia sido formado na USP e havia frequentado no exterior. Assim é que participei da criação do Programa de Filosofia e liderei a criação do Programa de Ensino, Filosofia e História das Ciências, um curso conjunto entre a UFBA e a UEFS. Hoje esses programas são referências internacionais nos seus respectivos campos. Das alegrias que tenho colhido na minha vida profissional está o número de estudantes que pudemos formar como mestres e doutores na UFBA, estudantes oriundos da Bahia, mas também do Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul e Paraíba, além de países como a França e a Espanha. Estes antigos alunos constituem, para mim, uma espécie de uma família estendida.
A UFBA propiciou-me também experiência como gestor em educação, ciência e tecnologia. Embora seja pessoalmente pouco afeito à ocupação de cargos eletivos ou de gestão, a UFBA também propiciou-me a experiência de gestão, tanto no seu âmbito, com a criação de cursos de pós-graduação e coordenação de colegiados, quanto no âmbito nacional, particularmente na CAPES, CNPq e no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Contudo, a experiência mais fecunda e significativa resultou do convite do Reitor João Carlos Salles para assumir a Pró-Reitoria de Pesquisa e a de Pós-graduação, além da coordenação do programa de mobilidade internacional, o CAPES PRINT. Foi significativa porque foram quase oito anos de enfrentamento de adversidades. O período que vai do impeachment da Presidenta Dilma ao governo Bolsonaro, agravados pela pandemia, foram anos em que a UFBA precisou mobilizar toda a sua resiliência para sobreviver, sem soçobrar ou se desnaturar. Cortes orçamentários drásticos e tentativas sistemáticas de desqualificação e de ataques à ciência se transformaram no nosso dia a dia. Aqui cabe um registro fundamental, a liderança de João Carlos Salles, que já era enorme, e permitiu a sua primeira eleição em 2014, se agigantou diante das dificuldades. Em particular ele soube fortalecer a vida institucional da UFBA, o que considero o maior legado de sua gestão, e unir a universidade em defesa de uma universidade pública, inclusiva e de excelência. Mas o povo brasileiro soube reagir elegendo em outubro de 2022 o Presidente Luis Inácio Lula da Silva. Fruto dessa mudança hoje exerço a função de Diretor Científico do CNPq, onde uso a experiência acumulada no reitorado de João Carlos.

A luta pelo desenvolvimento da ciência e da tecnologia

A Comenda Dois de Julho é também uma referência à causa da ciência e da tecnologia, além da educação, sobre a qual já comentamos. O meu envolvimento, e fascínio, com a produção da ciência vem da escola secundária, mas frutificou na UFBA, na USP, e em instituições científicas no exterior onde passei temporadas de pesquisa. Este fascínio ocorreu em duas direções. Na primeira, conhecida de muitos de vocês, teve como resultado a minha constituição como um historiador da física quântica. Este fascínio foi alimentado tanto pelo impacto dessa disciplina científica na cultura em geral quanto pelo fato de que as controvérsias sobre as interpretações dessa teoria mesclam ciência e filosofia. A percepção de que em uma das mais áridas das ciências da natureza havia uma mescla envolvendo ciência, filosofia, política e ideologia me deixou mesmerizado. E compreendi que o melhor caminho para isso era o estudo da história, da história das ciências; e assim desembarquei no Departamento de História da USP para realizar um doutorado, o mesmo departamento onde Zé Raimundo obteve seu doutorado. O estudo da história da física quântica, terreno onde fui guiado pelos conselhos de Aurino Ribeiro, Amelia Hamburger, Michel Paty, Joan Bromberg e Sam Schweber cristalizaram a minha compreensão de que a ciência é parte indissociável da cultura de uma sociedade. Por essa razão, durante muito tempo nosso grupo de pesquisa chamava-se LACIC – Laboratório Ciência como Cultura. Os meus “dissidentes quânticos”, termo que cunhei em 2009, foram o principal fruto dessas pesquisas. Dentre eles estão John Clauser, Alain Aspect e Anton Zeilinger, agraciados com o Prêmio Nobel de Física de 2022. Devo confessar que no decênio que antecedeu este prêmio eu acompanhava, a cada ano, com expectativa, em uma espécie de pesquisa-ação, o anúncio do referido prêmio.

Em uma segunda direção compreendi que a ciência e a tecnologia são requisitos indispensáveis a uma inserção soberana do Brasil no concerto das nações. Neste território fui inspirado pelas lições e interações desde os tempos da graduação. As interações com o geofísico Carlos Alberto Dias aqui na UFBA, e as leituras de físicos como José Leite Lopes, Bautista Vidal, e Mario Schenberg foram as inspirações primeiras. Hoje compreendo que no mesmo panteão dos que defenderam a independência do país, como aqueles cantados pelo Hino ao Dois de Julho (com tiranos não combinam brasileiros corações), como Maria Quitéria e tantos outros, devemos colocar aqueles que têm dado contribuições essenciais para a ciência e a independência do Brasil. Neste panteão devem estar Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Pirajá da Silva, Juliano Moreira, Nise da Silveira e Cesar Lattes. Mas devem estar também aqueles que depois da Segunda Guerra Mundial compreenderam e contribuíram para essa independência científica. Eu estou me referindo ao Almirante Alvaro Alberto, o arquiteto da política nuclear autônoma do país e criador do CNPq; a Anisío Teixeira, criador da CAPES; a Darcy Ribeiro e Zeferino Vaz, em polos políticos opostos, mas ambos criadores de universidades, a UnB e a Unicamp; ao Brigadeiro Montenegro, o visionário criador do ITA, a base para a posterior criação da EMBRAER e da indústria aeronáutica brasileira; a Johanna Dobereiner, cujos trabalhos sobre a fixação biológica do nitrogênio permitiram o cultivo da soja e outros grãos no cerrado brasileiro; a Jacqueline Goes, a baiana que contribuiu para identificar a circulação do coronavírus no Brasil; a Guilherme Estrela, que liderou a pesquisa pela PETROBRAS de petróleo em águas profundas; e ao Almirante Othon Pinheiro, um dos líderes do programa nuclear autônomo brasileiro; dentre outros casos. Conectando ciência com educação, sonho com o dia em que estes personagens possam ser estudados e conhecidos dos nossos estudantes na educação básica.

Esta ligação entre desenvolvimento científico e tecnológico e desenvolvimento autônomo e sustentável não está encerrado no passado, como casos históricos. Precisamos conhecer melhor essa história para melhor compreendermos os desafios enfrentados pelo país, hoje sob a liderança do Presidente Lula. Este quer enfrentar o desafio de uma nova industrialização, da redução das iniquidades sociais, de gênero e de raça, ao tempo em que busca a sustentabilidade, energias mais limpas e preservação, e estudo, da nossa rixa biodiversidade. Assim como busca uma identidade como nação que se reinventa criticando as mazelas, como a escravidão e o genocídio dos povos indígenas, que ainda estruturam a sociedade brasileira nos dias atuais.

Eu não poderia encerrar meus agradecimentos à ALBA e ao Deputado Zé Raimundo, aos familiares que sustentaram a minha formação e me dão a sustentação emocional para perseverar na luta cotidiana. Vadinho e Antonieta, meus pais, que sem terem curso superior compreendiam o valor da educação e me despacharam com quinze anos de idade, para estudar em Salvador, minhas irmãs Fatima, Inês e Silvana, meu filho Vitor, hoje residindo distante, na Holanda, meus sobrinhos queridos, Flavia, Thiago, Silvano e Diego, e minha esposa Agnes, um amor de juventude que a vida permitiu renovar na maturidade.

Muito obrigado

Olival Freire Junior

Salvador, 14/03/2024

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